Yesterday

Tenho um amigo muito engraçado. Uma vez a gente foi devolver um dvd na 2001 e eu perguntei pra ele se ele tinha rebobinado o dvd antes de trazer pra loja. O funcionário deu um risinho com o canto dos lábios. Meu amigo ficou meio abobado, todo estupefato. E agora, vai ter que pagar multa?

Lembra que antigamente as locadoras cobravam multas da gente por tudo? Atrasou? Multa. Não rebobinou a fita vhs? multa. Lembra disso? VHS, Betamax… tudo tão longínquo. O primeiro vídeo cassete que eu vi na vida em meados da década de 80 ejetava a fita por uma tampa que subia ao apertar de um botão e se projetava para a frente. Era demais! Foi nesse VCR que eu assisti os filmes da adolescência que mais me marcaram, no apartamento dos meus primos: Goonies, Indiana Jones, Gremlins, Guerra nas Estrelas… Quando a gente finalmente teve video cassete em casa, o controle remoto só funcionava se conectado ao aparelho por um cabo de 3 ou 4 metros que ficava enrolado no meio da sala.

Tudo tão antigamente. As 5 locadoras que existiam no meu bairro trocaram de dono várias vezes e depois fecharam uma a uma. A dona de uma delas era coreana e me ensinou a dizer uma porção de coisas: obrigado = Kamsahamnida 감사합니다 (pronuncia-se Câmisa mi dá). Ela ficava o tempo todo falando em coreano por telefone, produzindo aqueles barulhinhos de escarro que a gente ouve também com o CH em alemão e o X em grego. Em uma outra o atendente simpático e verborrágico me contava as aventuras dele no Japão. Ele tinha uma tatuagem da Yakuza ヤクザ e explicava porque o pai dele brigava com ele por causa da variedade linguística desrespeitosa que ele usava com os mais velhos… A única que sobrevive ainda agora vende mais itens de papelaria do que aluga filmes, se esforçando pra sobreviver, estertorando. A locação custa 2,50 por um período de 3 dias. A cada dois meses eu vou lá pegar algum filme que eu não achei na internet, de graça. Lá é bom porque eu posso entrar com o meu cachorrinho, que é muito educado e nem mija dentro da loja. Às vezes dá uma sensação de ser o último representante de uma era, porque lá nunca tem ninguém. Ninguém aluga filmes mais. A gente sente como se tivesse atravessado um portal para um mundo paralelo, isolado de toda a agitação de uma das ruas mais movimentadas do bairro.

Muitas coisas mudam e outras permanecem iguais. Esse amigo ainda é o mesmo. Um pouquinho piorado. O resto é tudo diferente. Tudo foi.

Tudo passa sobre a terra.