siren

odeio sirene de fábrica

uma forma de acabrestar os funcionários que se sujeitam a ser controlados como bicho, como se fossem incapazes de saber a hora de entrar, almoçar, ir embora. será que peão de fábrica é burro assim? mesmo que seja, as fábricas, curral de boiada, não têm o direito de gritar prolongadamente no bairro em que cravam garras: incomoda demais

o homem é tratado como se fosse máquina: controle minucioso do comportamento e da performance. dois filmes mostram isso lindamente: metropolis, do fritz lang, e tempos modernos, do charles chaplin

essa cena é linda! incrivelmente sensível...

turba em marcha: trabalhadores indo/vindo do subterrâneo…

apertando parafusos sem parar - que alegoria!

muita gente acha o tempos modernos engraçado, mas se você refletir um pouco, é angustiante. lembra quando o chaplin sai da fábrica? ele não consegue parar de apertar parafuso… a gente ri quando ele aperta os botões do vestido da moça… mas fica um nó na garganta: no fundo a gente sabe que tem muita coisa errada nisso

na hora do almoço uma máquina entuxa comida na boca dele. lembra? pra cortar custos, extinguir a hora do almoço e aumentar a produtividade…

a gente ri, né? mas que crítica! (se quiser clique na foto pra aumentar)

essa cena dele “comendo” me lembra um poema do drummond. como esse homem era sensível pra notar as idiossincrasias do progresso… ele tem mais de um poema sobre os tempos “modernos”. vou por aqui três estrofes. se gostar, vá atrás: esse poema é bom demais: drummond – nosso tempo (c. 1945)

Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
Em vão percorremos volumes,
viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se
na pedra.
(…)
Escuta a hora formidável do almoço
na cidade. Os escritórios, num passe, esvaziam-se.
As bocas sugam um rio de carne, legumes e tortas vitaminosas.
Salta depressa do mar a bandeja de peixes argênteos!
Os subterrâneos da fome choram caldo de sopa,
olhos líquidos de cão através do vidro devoram teu osso.
Come, braço mecânico, alimenta-te, mão de papel, é tempo de comida,
mais tarde será o de amor.
Lentamente os escritórios se recuperam, e os negócios, forma indecisa, evoluem.
(…)
O poeta
declina de toda responsabilidade
na marcha do mundo capitalista
e com suas palavras, intuições, símbolos  e outras armas
promete ajudar
a destruí-lo
como uma pedreira, uma floresta,
um verme.

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a fábrica aqui do lado do prédio urra (sempre dez minutos antes e então na hora cheia). 6:50, 7:00; 8:50, 9:00; 11:50, 12:00; 12:50, 13:00… tem uma sirene à tarde, mas eu quase nunca ouço, e finalmente 16:50, 17:00. sábados, domingos e feriados. quanta alegria!

o dono é um turco, um daqueles com cara bem estereotipada: gordo, de bigode, meio careca, com cabelo enroladinho super oleoso, camisa aberta até o umbigo mostrando um peito peludo cheio de corrente de ouro… eu não sei muito bem o que a fábrica dele faz… nunca tem mercadoria entrando nem saindo. não tem importância

o entorno da fábrica é um nojo: sempre sujo, a grama na calçada cresce até esconder porco selvagem. as pessoas que passam de carro, talvez por achar que é terreno abandonado (teoria da janela quebrada), jogam todo tipo de lixo, que nunca é recolhido. frequentemente vejo corpo de rato morto atropelado na rua. a única vez em que as paredes foram pintadas foi quando foram erguidas, há 30 anos. e de fato tem um monte de vidro quebrado nas janelas…

foto tirada daqui de cima

dá pra ver a sujeira até nessa foto de baixa qualidade…

sei que já foram conversar com ele sobre isso. ele ignorou. imagina só se ele vai gastar dinheiro com limpeza! (olha o estereótipo em funcionamento…) o único momento em que ele se mistura com a comunidade é em época de eleição: um dos barentes dele sempre se candidata a deputado (?). não sei se se elege. não tem importância. nessas épocas todo o bairro fica cheio de papel no chão… mas acho que isso não é privilégio do meu bairro

à medida em que encerro o post, cresce a tensão, porque daqui a pouco toca de novo a maldita sirene…

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