la mort, l’art

eu me fascino pela morte: por medo, pela sedução

no primeiro caso, morro de medo de perder as pessoas de que gosto. sua ausência será terrível; a saudade, mortal

no segundo, gosto de pensar na minha própria morte e, ao contrário do senso comum, gostaria de encontrá-la hoje, agora. je suis un inadapté à la vie

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i'm a fan-at-first-sight of gunther von hagens

a morte é um grande alívio; a vida é esquisita e desde sempre a humanidade se preocupa em como preencher a existência. horácio pôs em poesia pela primeira vez o conceito do carpe diem, colha o dia, carpe diem quam minime credula postero, pensar no futuro o mínimo possível. como bom hedonista que sou, adoto essa idéia como lema de vida. odeio fazer coisas de que não gosto: uma chatice. e quase tudo na vida é chato, muito chato. talvez por essa condição – achar que quase tudo na vida é chato -, me interesso tanto pela minha morte – e pela morte dos outros também

mas… eu, só? não… todomundo, todo-mundo, se interessa e se fascina pela morte. na poesia, na literatura, nos filmes, na pintura, na escultura: a morte na arte é onipresente.

é parecido com a força da natureza. pense em como a gente se fascina com o poder do inevitável: uma tempestade é encantadora; o mar revolto, tão sedutor; um vulcão em erupção; um meteoro destruidor. a gente adora. morte e vida se articulando… vida… morte… o que é bom, afinal?

além de horácio, outros poetas pensaram na desgraça de estar vivo, na estupidez sem sentido da vida: a sequência de bestialidades que a gente é obrigado a cometer para comer… alceu de mitileno, amante de safo, é um deles, e eu me identifico muito com ele; eu e baudelaire: bebamos!

“beba pra afastar suas tristeza, beba porque a vida é curta, beba pra se aquecer no inverno…”

baudelaire tem um poema que chama enivrez-vous, “fique bêbado; sempre! de quê? vinho, poesia, virtude, sei lá; mas fique bêbado! pra não sentir o fardo horrível do tempo esmagar seus ombros, te moer na terra adentro… pergunte ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro… a tudo o que passa, tudo o que geme: que horas são?

– hora de beber! não seja escravo do tempo: fique bêbado! de que? vinho, virtude, poesia, sei lá.” (trechos traduzidos e misturados por mim)

mais do que achar sentido, fugir! não é? acho que é… a fuga é mais gostosa, muito mais gostosa do que buscar sentido. tanto quanto aprender é mais gostoso do que ter conhecimento

esse cara, o gunther von hagens, criou uma exposição muito interessante. ele desenvolveu uma técnica de plastinação de corpos, algo de uma certa maneira parecida com o que damien hirst faz, mas, os sujeitos da arte dele doam seus corpos para a arte, para a instrução humana. ele retira a gordura, preserva os tecidos humanos e depois dispõe as pessoas em poses artísticas; objetos da morte… muita gente reclama, e eu acho que essas pessoas tem um grave problema mental… olha que lindo isso:

two bodies intertwined

eu acho incrível e admirável que algumas pessoas deixem em testamento a ordem (bequeath) para que seus corpos sejam doados, após a morte. seja para o aproveitamento de órgãos, seja para a arte

o que será do meu corpo quando eu morrer? puta merda! se virar arte e for parar num museu… já pensou? instruir a humanidade: olha o que acontece com o intestino e o fígado quando se bebe demais; olha o pulmão de um ex(?) fumante; as consequências de morar numa grande e POLUIDÍSSIMA cidade… olha os rins… olha o pinto dele como era grande………. deu pra fazer uma viga de sustentação pro teto da exposição… : )

outras pessoas antes já trataram da morte através da arte, gente do calibre de géricault com seu le radeau de la méduse (1819), barco em que as pessoas tiveram que comer um ou outro para sobreviver… yummy… dizem que a carne é adocicada… esse quadro é tido como a melhor alegoria para a instabilidade, a efemeridade, a estupidez da vida e a impotência do ser humano diante dela

a balsa da medusa... hua hua hua... terror a bordo... morte transformada em arte

o meu pinto, na verdade, ia dar pra fazer dois ou três hambúrgueres, quando muito… carne dura, if you know what i mean… das 147 pessoas no barco, as 15 sobreviventes se abastariam…

gosto muito da pintura do romantismo, essa pintura de boêmios com alma atribulada e extremamente sensível pra miséria do mundo. goya é demais. delacroix também. as cores, a atmosfera… tudo envolto na bruma da morte, presente no ar como o odor de um frasco destampado. baudelaire

de profundis clamavi (salmo recitado para os mortos) “imploro-te piedade, a ti, razão de amor, do fundo abismo onde minha alma jaz sepulta”

Caspar David Friedrich

uma jornalista (beate lakotta) e um fotógrafo (walter schels) da alemanha levaram a arte da morte a um patamar que me fez perder o chão. eles entrevistaram e retrataram pessoas com doenças em estágio terminal – vai morrer hoje? amanhã? quem sabe…? veja a reportagem no britânico guardian (in english). aqui tem o site com as fotos da exposição. antes que você clique, um aviso: as fotos retratam pessoas vivas, dispostas a falar sobre suas doenças terminais, e depois; mortas. é lindo. a morte é linda… a exposição dói – eu choro sem parar, mesmo sendo sobre pessoas que eu não conheço… esse tipo de arte é muito forte… e ao mesmo tempo, lindo demais… sou eu? é você? somos todos ali

eu choro. você também?

a exposição: life before death

afinal, lidar com a morte ajuda a gente a viver melhor? hum… sei não

mas é nossa única certeza

a morte é gostosa

mas é tabu

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