unsettled

me questionaram do por quê (com acento e separado – primeira vez na vida, acho, uso assim), tenho abordado tanto um certo mal estar com o mundo como ele é atualmente. esse “atualmente“ precisa estar entre aspas para fazer parte do que pretendo dizer

Scott Walden – Unsettled #47 (1998)

primeiro e que fique tudo bem multiclaro: o tudo que “pretendo dizer” são coisas velhas, cansadas, pisadas e repisadas por gente que já existiu muito, muito antes de mim; ou seja, o que me faz sentir mal, muitas vezes com ânsia de vômito (novidade sentida agora na minha pele de citadino do século XXI, com as peculiaridades do meu zeitgeist), já foi debatido por gente como sócrates na grécia antiga, e pelos pensadores alemães, ingleses e franceses do iluminismo

e o quê é atual para mim e o quê me faz querer vomitar hoje? posto de forma simples, uma sensação de que as coisas não deveriam ser assim

de forma mais elaborada – prepare-se! respire fundo, como m. bandeira: …………………………………………………………………………… e ponha um tango argentino pra tocar

bem, elaboradibilidadamente, coisas todas muito entrelaçadas como o contrato social (meu deus, as cláusulas desse contrato precisam mudar! …e como faz agora? contrata um advogado??) o estado da natureza (o ser humano será sempre um bicho, se entendendo quando possível, monitorado ou não pelo estado), jean-jacques rousseau, thomas hobbes, john locke. um pouco me arrependo de ter escrito isso. primeiro porque muita gente já o disse, depois porque não li tudo o que escreveram; preciso elaborar melhor tudo isso dentro do meu mundo psíquico… e também porque essas idéias estão muito ligadas ao conforto burguês do século xviii – gente pobre, sem tempo de ler ou money pra comprar livro, portanto ignorante, por acaso se preocupa com isso tudo?

e por que falar deles então? hum… porque eles formularam teorias que me interessam, seja para compreender melhor o mundo como ele é, seja para sentir raiva, ficar inconformado, quiçá interferir pon.ti.lha.da.men.te e com muita amargura… minha interferência é microscopicamente insignificante e eu não consigo palpar nada, ‘magina, pegar a sociedade pelas rédeas e tentar mostrar uma direção melhor… a resposta está dentro do nosso espírito e eu já falei sobre isso, fazer o que é certo… isso não acontece do jeito como eu acho que deveria e isso, no fundo, dói, incomoda demais

hegel articulou o fim da história. que demais isso! é profundo e eu preciso ler muito muito muito mais pra começar a entender: hoje não sei nada ainda (estou me sentindo o próprio sócrates: scio me nihil scire). apenas inferi que ele propõe o fim dos processos históricos de mudança porque a humanidade atingiria o equilíbrio, a igualdade… haja amor pelo seu próximo! ah! isso é que dói: como isso é im-po-ssí-vel… (adoro fazer separação silábica por intuição: veja que ridículo determinar, sem vínculo com o uso corrente ou qualquer bom senso, que duas consoantes em sequência devem ser separadas… tsc tsc tsc)

hegel também fala bastante sobre o estado e a vida ética, preocupações de quem leu bastante platão, aristóteles, spinoza, kant, marx… ∞

esse cara viveu o período da revolução francesa (que queria, entre muita muita coisa, o “fim da servidão e dos direitos feudais”), e do iluminismo: uma época na história humana em que tomou lugar a supremacia da inteligência e da ciência sobre a fé e sobre o misticismo. tudo isso, marco do início da idade contemporânea. não foi nada fácil viver no século XVIII, mas como eles mudaram o futuro, mesmo sem saber de que forma mudaram. (mudanças não são possíveis hoje… ou então eu é que estou pessimista demais mesmo…)

depois de tudo isso, nós deveríamos viver em relação de liberdade, igualdade, fraternidade, bordão cunhado pelo rousseau, na época em que os princípios universais foram pensados, idealizados

Delacroix - Liberty guiding the people

e o mundo ainda gira mais ou menos da mesma forma… não há nada de novo sob o céu… depois de tanto tempo, depois de tantas gerações, tantas guerras, desentendimentos, depois de tantos pensadores inteligentíssimos, tantas tentativas de unificar; tudo igual, relativamente igual

nada mudou… nós (eu e você) continuamos reféns dos barões feudais, usurários, agiotas, donos de banco – dê o nome que quiser… é o mesmo bando de filho da puta sorvendo o líquido vital das nossas veias… chupando de canudinho… feito de platina e diamante

é isso o que me revolta! ou, posto de outra maneira: putz! eu sou super impaciente com o transcorrer da evolução da espécie… tá demorando demais pro ser humano dar um salto qualitativo, seja como for…

isso é o que me deixa inquieto, inconformado, muitas vezes bem amargurado, porque entendi que não há nada que eu possa fazer: a resistência sempre será maior que meu parco, e agora desconsolado, esforço

o ser humano é um bicho maldito, verme miserável, vírus detestável na crosta do planeta…

que venha nibiru

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Tenebral Age

Eu me interesso pelos nomes dos períodos históricos:

Pré-história, Mundo Antigo, a escura Idade Média, as inúmeras eras e sub-eras: Era Moderna, Era do Renascimento da Razão, da Reforma, da Iluminação, das Descobertas, do Romantismo…

Sempre achei peculiar a pré-história não ser considerada como história, apesar de ser história. O “Antes da história”. Mas se eles existiram, se deixaram monumentos (Stonehenge), se têm também sub-eras (Pedra, Bronze, Ferro)… Supostamente o “Antes da História” existe do surgimento do Universo (BUM!) até o momento em que a escrita surgiu. Será que isso é coisa do Heródoto de Halicarnassus? Eu chamaria esse período de a Era Alongada (the Warp Age). Pronto; além do nome do meu cachorro, dei nome pra uma segunda coisa na vida. Que alegria. Acho mesmo que o Heródoto cochichou aqui no meu ouvido.

Vou dar nome pra uma terceira coisa e acho que isso vai fazer o meu nome entrar pra História. Não hoje. Essas grandes e revolucionárias idéias só são descobertas tardiamente e, pra minha tristeza, essa minha serendipidade só será reconhecida após a minha morte. De forma que o Prêmio Nobel fica pros netos que nunca terei, ainda que eles pudessem dizer “meu vovô que deu o nome pra essa era”:

A Era Tenebral, The Tenebral Age. Já tava na hora de alguém traçar uma risca e determinar o fim da Era Contemporânea. Tem início agora, a partir do ano 2000 – não é um bom marco? – um novo ciclo da miséria humana, marcada por novas desgraças e poucas mas interessantes descobertas que fazem a gente continuar. Fica também determinado que a Era Tenebral irá durar dois séculos. Eu criei o nome, determinei seu onset histórico, posso também estabelecer sua duração.

Post lux tenebras

Tenebras em latim quer dizer escuro, sombrio. Tenebroso deriva dessa palavra. E é esse mesmo que deve ser o nome do período da História em que a gente vive. Mas nada muito diferente do que sempre foi: parecido com a Idade Média, mas agora a gente lava as mãos antes de comer.

Time Bomb

with the coming of ages our heads usually do explode

A Era Tenebral. E o que dirão os historiadores sobre a minha importância e sobre a minha era daqui a dois séculos? Creio mesmo que eles nos verão mais ou menos como uma fusão entre feudalismo e capitalismo. Hoje em dia existe muito mais circulação e variedade de moedas, um pouco mais de pessoas têm acesso à elas, mas essencialmente continua a grande massa a viver dentro de um feudo, um burgozinho sem fronteira, com tanta alienação quanto antes, quiçá um pouco mais por causa da tv, quiçá apenas um pouco diferente. A tv aliás tem hoje, na Era Tenebral, o papel da igreja católica: manipulação para a ignorância.

Somos todos um bando de pessoas absurdas, correndo apressadamente pra lugar nenhum e sem nenhum propósito. Tudo muito subjetivo, apesar de a subjetividade ser objetiva em um esquema racional de percepção, apesar de a percepção ser irracional e implicar iminência*.

Se eu fosse ignorante, isso não seria problema seu.

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* Vou identificar a fonte dessa brincadeira sobre a objetividade da subjetividade: Love and Death, Woody Allen. Estou apaixonado, mais do que antes, pelo humor desse cara. Alguém aí já assistiu Desconstruindo Harry? É muito engraçado. Hoje é dia de assistir Annie Hall (em português noivo neurótico, noiva nervosa).